Beet/nick #001: faz sentido agora
Um novo formato de evento do outro lado do Atlântico, bilionários sem noção, briefings reciclados e o hype dos clubes de livro.
Tem muita coisa parecendo criativa por aí. Mas tem pouca coisa sendo, de fato, feita com coragem.
Enquanto a IA enlouquece, as intenções se perdem e os briefings se repetem, a gente ainda aposta em ideias com raiz. Boas conversas, perguntas que não têm pressa, clubes de leitura, podcasts que fazem pensar.
Nem tudo precisa viralizar. Mas no mundo real tudo é melhor quando faz algum sentido.
Bem-vindos à beet/nick: ideias frescas e provocações quentinhas, servidas quinzenalmente pela Beet. Assine para receber as próximas edições:
A beterraba é nossa metáfora preferida. Por fora, folhas vistosas. Por dentro, raiz, cor, sustança, nutrientes. E uma cor impactante, que é sempre bom. Ela nasce da terra com firmeza, guarda história e cresce conectada. O que oferece ao mundo não é só aparência, mas sabor, força, presença.
É assim que pensamos conteúdo: começa embaixo, com pesquisa, intenção, repertório. Só depois vem à tona, leve no tom, mas firme no que quer dizer.
O que nasce raso, seca. O que cresce escondido, não muda nada.
💂🏼 Por que conexão direta custa caro (e por que ainda vale a pena pagar esse preço)
Do palco do SXSW Londres para a caixa de entrada: o que a nova mídia está dizendo, e o que ainda está engasgando.
Por Catarina Cicarelli, founder & CEO da Beet
No papel, o SXSW Londres era um reboot. Nova cidade, novo público, nova promessa: menos fórmula, mais frescor. E em muitos momentos, cumpriu. Uma das conversas que mais me marcou veio da dupla Hamish McKenzie (Substack) e a escritora Emma Gannon, que falaram sobre o futuro da mídia guiada por criadores e comunidades.
A tese é simples, embora poderosa:
👉 Plataformas tradicionais estão falhando.
👉 Criadores querem autonomia.
👉 Públicos querem conexão direta.
Só que, vale lembrar, conexão direta é libertadora... mas também é um baita compromisso!
O papo abordou o que já parece consenso: conteúdo, por si só, não sustenta ninguém. A lógica de “monetizar audiência” não fecha sem comunidade real, sem apoio recorrente, sem gente disposta a pagar não só pelo que é dito, mas por quem diz.
Mas a parte mais interessante veio nas entrelinhas: o discurso do “retorno à internet raiz”, feita de nichos, newsletters e fóruns, ainda carrega um quê de romantismo. E a plateia londrina (que, como bom europeu, tem um tom mais crítico, pouco afeito a espetáculos) deixou isso claro.
Tem um amorzinho no ar por esse ideal de comunidade. Mas também tem muito ruído, burnout, desigualdade. Não dá pra falar só da beleza sem reconhecer o caos.
No fundo, o SXSW (em Londres, no Texas, ou em qualquer lugar) está tentando responder uma pergunta urgente: dá pra reconstruir confiança digital sem recorrer às mesmas velhas estruturas?
Pra gente, na Beet, essa resposta passa por três verbos: traduzir, escutar, sustentar.
É isso que fazemos quando ajudamos marcas e vozes a construir relações reais com as pessoas, com clareza, cuidado e coragem. Porque comunicar bem requer mais do que alcance, significa assumir o risco de ser entendido.
🎙️Cinco podcasts para pensar junto
Por Anna Oliveira, arquiteta de narrativas da Beet
The Wirecutter Show - Pode parecer que não, mas existe "a" melhor forma de lavar determinadas roupas, colocar a louça na máquina e presentear pessoas difíceis (sem recorrer à vela aromática). Produzido pelo The New York Times, o podcast do time do Wirecutter transforma dilemas práticos do cotidiano em conversas surpreendentemente viciantes. Afinal, viver é tomar decisões — e algumas envolvem mais pesquisa do que um TCC!
Noites Gregas - Zeus ou Zéus? Hades com "h" mudo ou como se lê? Em Noites Gregas, o professor Cléber Guerra Costardi vai além do “era uma vez no Olimpo” e mergulha nas camadas mais sutis e fascinantes da mitologia grega clássica. Cada episódio é uma aula embalada em tom de prosa, com ritmo calmo, leveza e didatismo raros. Ideal para quem quer entender as histórias dos deuses, heróis e monstros com contexto, curiosidade e zero pedantismo.
Sounds Like a Cult - Pessoas que, religiosamente, faça sol ou faça chuva, vão ao crossfit, estão praticando uma atividade física ou participando de um culto? E quem curte Taylor Swift: é só fã ou um seguidor fiel? Neste podcast afiado e divertido, as apresentadoras investigam comunidades modernas com devoção suspeita, de um "Disney adult" a defensores ferrenhos de Mark Zuckerberg. A cada episódio, depois de analisar os rituais, o vocabulário interno e o fervor coletivo de cada tribo, elas cravam o veredito: live your life (segue o jogo), watch your back (olho aberto) ou get the f*ck out (corre que é cilada).
Vibes em análise - Dois psicanalistas usam seu repertório profissional aliado ao olhar atento sobre a cultura digital para destrinchar os dilemas que atravessam quem vive, sente e compartilha no mundo de hoje. Vício em performance, intimidades sintéticas, culto ao autocontrole, dilemas da alimentação moderna e ansiedade produtiva: tudo isso vai para a análise, mas com leveza, escuta e zero academicismo. Vale dar uma olhada no Instagram Float Vibes para ver os vídeos que condensam os principais insights de cada episódio. Eles também tem uma newsletter ótima no Susbtack: https://floatvibes.substack.com.
Ciência Suja - Já teve quem dissesse que colar de âmbar afastava a dor de dente de uma criança, que “vibrações quânticas” curam doenças e até químico divulgando uma suposta pílula do câncer — com apoio político, cobertura de TV e tudo! Em Ciência Suja, essas e outras histórias reais são destrinchadas com rigor investigativo e, principalmente, científico. O podcast revela como fraudes e pseudociência ganham espaço em laboratórios, universidades e no noticiário, misturando dados, ideologia e interesses escusos — ideal para quem gosta de bastidor, denúncia e um pouco de indignação bem informada.
Todos os podcasts indicados estão disponíveis nas principais plataformas de streaming, e podem (devem!) ser ouvidos naquela ida à academia, no trajeto até o trabalho ou na pausa que você jura que vai fazer hoje.
🪩 Quando todo mundo é especialista
Você é autoridade no quê? Na era da opinião, o que significa ter (ou parecer ter) autoridade sobre um tema? Quando foi que a gente começou a confundir popularidade com autoridade?
No novo episódio do É Sobre Isso, a conversa entre Catarina Cicarelli, Cris Dias, Gaía Passarelli e Guilherme Pinheiro passa por sabedoria popular, conteúdo opinativo, performance nas redes sociais e o velho dilema entre informação e credibilidade - essa, passando por uma tremenda crise:
É Sobre Isso é o podcast quinzenal da Beet e da Ampère sobre os desafios da comunicação contemporânea, quinzenalmente em todas as principais plataformas de áudio (e no Youtube!)
👉🏼 Roteiro e pesquisa de Alexandre Maron.
👉🏼 Direção e produção de Anna Maron.
👉🏼 Edição de áudio e vídeo de Jessica Correa.
Ouça, comente, compartilhe, siga, e tire um minutinho para nos contar: e a sua especialidade, qual é?
🌀 Amor nos tempos da aversão criativa
Neste Dia dos Namorados, milhares de marcas vão apostar na fórmula segura: casal genérico, música clichê, estética de carrossel.
Em um ano de Copa América, eleições americanas e IA onipresente, o maior risco criativo das campanhas parece ser ter opinião.
E temos dados para confirmar:
👉🏼 Segundo o estudo The State of Creativity 2025 (Lions Advisory, abril/2025), 87% das marcas admitem ter aversão ao risco, o que compromete sua capacidade de inovar — inclusive nas datas comemorativas mais simbólicas.
👉🏼 Somente 13% das pessoas se dizem abertas a campanhas que desafiem os padrões convencionais, e mais da metade reconhece que seus insights culturais são fracos demais para sustentar boas ideias.
👉🏼 O resultado é um ciclo vicioso: marcas evitam ousar, entregam mais do mesmo e, diante da irrelevância, reforçam o conservadorismo criativo.
Não à toa, muitos profissionais relatam um esgotamento mental coletivo - você não só conhece alguém que se sente assim, como provavelmente sabe bem do que estamos falando: o impacto do excesso de conteúdo superficial, a perda da ludicidade e o chamado “brain rot” como fatores que afetam diretamente a capacidade criativa dos mais jovens.
A crise não é (só) estética. É estrutural. Ela envolve a cultura das agências, o comportamento do consumidor, o medo de errar e a obsessão com o ROI imediato — que cresceu de 53% em 2023 para 63% em 2025, segundo o mesmo estudo.
O que pode romper esse ciclo? Algumas respostas no relatório: cocriação com comunidades reais, colaborações inusitadas com expectativas realistas, valorização da imperfeição e feedbacks menos binários e mais construtivos.
Ou seja: coragem, contexto e mais carne no briefing.
👁️ Dua Lipa e o hype de ler junto
Por Gaía Passarelli, head de conteúdo da Beet
Se há um par de anos me contassem que a melhor entrevistadora literária de 2025 seria a Dua Lipa, eu também teria duvidado.
Mas o mundo é estranho, as bolhas são muitas, eu gosto do “Radical Optimism”. Além disso, honestamente, fazia tempo que ninguém me fazia querer comprar um livro por causa de uma entrevista.
E foi isso o que aconteceu quando vi a conversa da Dua com Hernan Diaz, autor do livro ganhador do Pulitzer, “Trust”, de 2022. Em vez do arroz com feijão dos talk shows, veio uma pergunta sobre um jornalista do século passado que ajudou a desmontar o império Rockefeller. Ele não conhecia a referência. Ela, sim.
Nas entrevistas que conduz para a Service95, sua plataforma de conteúdo que inclui talk show, clube de livros, newsletter e podcast, Dua consistentemente tem conversas profundas e interessantes com cabeças brilhantes.
Joel Snape escreveu no Guardian que Dua Lipa “faz as perguntas que os autores gostariam de ouvir”. E talvez esse seja o segredo: ela conversa como quem se importa. Sem pressa, sem filtro de marketing, sem medo de perguntar bobagem. Às vezes um pouco starstruck (como na conversa com o George Saunders, mas eu teria a mesma reação!), mas sempre generosa, curiosa, atenta.
O episódio dessa semana com Jennifer Clement, autora de “Widow Basquiat”, é mais uma prova da capacidade de Dua de conduzir uma conversa de forma instigante, trazendo o que o entrevistado tem de melhor, sem jamais tentar puxar o protagonismo para si: ela é uma estrela pop internacional mas sabe que a conversa ali é sobre outra coisa:
Num tempo em que tudo é mastigado em 15 segundos, existe algo de subversivo em parar para ler e conversar sobre isso.
Não é à toa que os clubes de leitura viraram tendência outra vez. No Brasil, pipocam grupos colaborativos que discutem livros de autoras indígenas, LGBTs, clássicos, thrillers. O Estadão chamou de “renascimento coletivo da leitura”.
Lá fora, o fenômeno é semelhante. Segundo a Eventbrite, os eventos ligados a clubes de leitura cresceram 350% no Reino Unido nos últimos quatro anos. Nos EUA, clubes viraram experiências híbridas: tem leitura + corrida, leitura + crochê, leitura + silêncio (pra quem quer só estar junto). Já nas redes, o #BookTok é responsável por hypes enormes ao redor de livros (como o mega best seller “A Biblioteca da Meia Noite”) ou gêneros (tái o romantasy que não me deixar mentir).
É uma moda que escancara o cansaço com a leitura produtiva, com o conteúdo de utilidade, com o overconsumption de inutilidades e com o resumo em três bullets. Ler por prazer está voltando. Se Dua Lipa quer nos convencer disso com bookshelf curado e entrevistas cheias de William Blake e glitch pop, ótimo. A porta está aberta.
✨ Espalhando a boa palavra dos clubes de leitura:
Clube de Ficção Contemporânea - Conduzido pela criadora de conteúdo Tamlyn Ghannam, do canal LiteraTamy, discute mensalmente obras da literatura contemporânea mundial em encontros virtuais.
Página Cinco - Parte do plano de apoio da plataforma de conteúdo literário Página Cinco, tem encontros bimestrais para debater livros diversos.
Literature-se - Criado por Mell Ferraz,tem edições mensais e gratuitas.
Quem Quer Ler 2025 - Também gratuito e mensal, é conduzido pela poeta Paula Maria, autora da newsletter Te Escrevo Cartas, no Substack.
Escrevendo o Brasil - Criado em 2022 pela crítica literária e escritora Matheus Baldi, tem o diferencial de trazer a participação de autoras e autores da literatura brasileira contemporânea para participar da conversa.
📺 Mountainhead
Sabe a piada ”um rabino, um padre e um pai de santo entram num bar”. O novo filme da HBO (Max?) é meio isso, só que em 2025 e com uma dose de realidade amarga demais para ter graça.
Imagine um fim de semana entre quatro homens muito ricos, muito influentes e perigosamente convencidos de que sabem o que é melhor para o mundo:
Um tem uma rede social com 4 bilhões de usuários.
Outro controla drones militares.
O terceiro criou uma IA que distingue realidade de ficção.
E o quarto só quer que seu app de terapia vire unicórnio.
E todos estão em uma mansão nas montanhas de Utah.
Não é um episódio perdido de Succession. É “Mountainhead”, dirigido por Jesse Armstrong, e que, mais do que sátira, parece um retrato realista com zoom dramático.
O timing é tão absurdo quanto o enredo: deepfakes já confundem notícias no TikTok, prefeituras usam IA sem aviso, e CEOs de big tech falam abertamente sobre transferir a consciência humana para a nuvem. Mountainhead não teria feito sentido há um ano. E talvez não faça mais daqui a um.
Segundo os críticos da New Yorker, o filme marca um ponto de virada: o fim do fascínio com os bilionários. Se antes a cultura americana era obcecada por riqueza como sinônimo de poder e estilo (hello, Gatsby!), hoje ela expõe o grotesco, a vaidade, a falibilidade e o vazio. Jesse Armstrong acerta ao transformar os ultra-ricos em figuras incapazes de lidar com os próprios brinquedos tecnológicos que criam.
Sim, o roteiro tem seus tropeços, principalmente quando tenta esticar o sarcasmo em loop. Mas a provocação central é válida: a maior ameaça da IA não é ela mesma, mas a ausência de limites éticos de quem a possui.
E se o mundo real parece exagerado demais para a ficção, talvez seja porque já cruzamos a linha da caricatura.
🪩 Beet-it
Pergunta da semana:
Qual foi a última coisa que você criou sem pensar em like, métrica ou compartilhamento?
Conta pra gente nos comentários — ou só guarda no bolso, se quiser. Aqui a gente não exige engajamento.
🏁 Obrigada por ler até aqui!
A beet/nick volta em 15 dias. Enquanto isso, fica o convite para encaminhar essa edição quem vai gostar de ler, ou só deixa salvo para reler quando a timeline parecer homogênea demais.